CAPÍTULO VINTE
Ujiji – Tanzânia
– 1858
A testa gigantesca ardia, sendo capaz de fritar, não um , mais vários ovos,
tamanha era a temperatura alcançada, e o tamanho da área. Junto com a febre
vinham os calafrios, e junto com esses últimos, os delírios. Um mar dentro da
selva. Um rei poderoso surgindo de dentro do mar.
Burton sabia que estava certo. Aquele lago era, definitivamente, a nascente do
Nilo, e “aquele estúpido” não tinha nada que continuar a procurar o que já
havia sido descoberto. Tinha sido ele, Burton, e não “aquele estúpido” que
planejara e conseguira patrocínio para a expedição. Não era justo e moral
que “aquele estúpido” agora, se apoderasse da missão e seguisse, rumo ao
norte, procurando o que já haviam encontrado. O “problema Nilo” estava
resolvido. Pronto! Bastava apenas retornar a Inglaterra e receber os louros da
Royal Geographical Society. Burton em seu delírio já via a cerimônia pomposa,
na qual receberia a placa perpetua de membro destacado da sociedade. Não que
lhe agradasse tantas formalidades, mas sendo em sua homenagem, seria
prazerosamente suportável seguir o protocolo.
O mosquito que havia derrubado aquele homem forte, deveria estar agora no estômago
de algum batráquio. Como a natureza mostrava seu poder com tamanha ironia. O
descobridor do Lago Tanganica, até a poucos dias, desconhecido do resto da
humanidade “civilizada”, mas não dos milhares de nativos que ali residiam,
estava agora convalescendo por causa de uma única picada.
- Minas. Minas. Preciso encontrar as Minas. - Ele agora delira com a Mina do rei
Salomão – O lago é a localização exata das Minas. A mulher designada para
cuidar do enfermo, reconheceu uma daquelas palavras, ditas em português castiço,
e se lembrou que já teve parentes mandados para uma região do mundo, onde
aquela língua era usada. Ela agora extrai da teta negra, um líquido ralo e
pegajoso. Era costume na região abrandar a malária com leite materno, e o
pequeno filhote daquela negra, não sentiria falta de algumas gotas.
Burton digeriu o líquido forçosamente introduzido em sua boca. Agora delirava
com Mowba nitidamente, e não se interessava mais pelas minas do rei Salomão. Não
mais queria encontrar a arca da aliança, ou qualquer outro tesouro, tão comum
para os exploradores da época. A música da sua ama de leite inundava seu cérebro.
Ele queria agora a mina do negrinho esperto. Ele queria a mina de Chico rei.
Chico rei o libertador.
- Chhicoo Rei, libertadô. Chiicco rreii, nosso sinhô. – Burton agora
lamuriava esse canto triste, com falsete perfeito, trazendo a negra enfermeira,
lembranças de algumas cantigas de sua tribo. – ô Chico rei, não separa meu
amô...
Burton continuava cantando, na integra, toda a canção aprendida no dia do seu
nascimento. Mas ele agora interpretava com um novo arranjo, aonde as Minas do
Rei Negro eram invadidas por um elefante de cabeça descomunal. O elefante
queria destruir Chico Rei, que por sua vez, ambicionava o tesouro do elefante.
O leite materno da negra fez o efeito desejado. A febre do homem doente abaixou
e todas aquelas alucinações, sem sentido, foram apagadas de sua mente. Burton
dorme, enquanto Speke descobre, a centenas de quilômetros dali, o Lago Vitória.
SPEKE |
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