CAPÍTULO TRÊS
Sabará –
Brasil 2003
Richard Francis Burton era o que podemos chamar, tranqüilamente, de o
aventureiro em pessoa. Espírito nômade, moldado nas constantes viagens de seus
pais, mas sem perder a fleuma e erudição, comum aos ingleses do século XIX.
Apesar de podermos identificá-lo como inglês, pelos modos afetados; em certas
horas não podemos vinculá-lo à ilha da Bretanha, em relação a suas
excentricidades. Avesso a convenções e extremamente insociável, ele tinha um
caráter questionador e inquieto, e seu senso moral, apesar de puritano para
nossa época, era extremamente chocante para seus contemporâneos,
principalmente, compatriotas. Estudioso autodidata, de diversas especialidades,
era membro, dos mais profícuos, da Real Sociedade Geográfica. Com dezenas de
publicações editadas, seu ecletismo ia de meros tratados comportamentais a
manuais de falcoaria, armaria e sexo...
Ah! Desculpem-me a minha falta de educação em não me apresentar. Meu nome é
Francisco. Pretendo, pretensamente, eu sei, compor a biografia desse personagem
de carne e osso que lá pelos idos de 1867 esteve aqui em minha cidade natal, e
nem por isso goza da lembrança de meus conterrâneos. Cursei história na
Universidade Federal de Minas e pretendo resgatar a importância que Sir Burton
merece, juntamente com tantos outros exploradores que pulularam pelas Minas
Gerais. Desculpe-me, novamente, a forma meio que desconexa com que apresento
essa obra e da maneira em que nela me apresento. Aproveito esse pequeno capítulo
para, além de traçar uma pequena sinopse, relatar a biografia desse autor que
vos fala; ou melhor, vos escreve.
Como disse anteriormente, meu nome é Francisco e como todo nome merece um
sobrenome, nem que seja para distinção, apresento-me por inteiro. Viana.
Francisco Viana. Uma família tradicional. Nome de rua no centro, não em um subúrbio
qualquer. No século XVIII um antepassado meu, Manuel Nunes Viana, administrou
essa cidade com determinação, e coincidência do destino, um outro Viana,
Manuel Pereira de Melo Viana, foi responsável por equipar o Capitão Burton,
com boa embarcação, em sua expedição Rio das Velhas abaixo. Caberá agora, a
um outro Viana, recolocar o intrépido inglês nos arautos da glória póstuma.
Privo todos da história gloriosa dos Viana, pois não é essa a intenção
desse compêndio e muitas laudas seriam necessárias para apenas resumi-la. Mas
sobre minha pessoa posso tecer uma biografia abrangente, que tenho certeza,
interessará o leitor. Francisco Viana, nascido em Sabará, portanto mineiro,
geograficamente e no contexto pleno da palavra. Não muito velho, mas já não
mais jovem. Funcionário público e amante das letras. Como Burton, amante de
Camões, mas também de Drumond, que privou nosso personagem principal de sua
poesia, posto que nasceu no século seguinte. Sir Burton certamente iria se
encantar com nosso poeta maior.
Os livros são minha vida. Responsável pelo acervo da biblioteca pública
municipal, passo meus dias entre Cervantes, Dante, Guimarães, Assis e tantos
outros expoentes da literatura mundial. Atualmente afastado do serviço, por força
maior, decidi me lançar no universo que tanto conheço como espectador, e ser
também autor de uma estória. Como descrevia no primeiro parágrafo, deste capítulo,
escolhi Sir Richard Francis Burton não só pelas suas qualidades admiráveis,
mas também por ser um personagem real. Não bastasse o fato de ele ser meu
quase homônimo, pois Francis nada mais é do que Francisco em inglês.
Erudito e poliglota, Francis falava fluentemente mais de 20 idiomas, entre eles
o Tupi e o português, que tagarelava com tanta desenvoltura que chegou a ganhar
do nosso imperador, Pedro II, o elogio de ser mais fluente na língua de Camões
que toda a “brasileirada nata”. Tinha também a capacidade de absorver
sotaques e trejeitos que lhe permitiam se passar por nativo em qualquer lugar.
Fisicamente não lembrava um inglês típico, mas com a fatiota certa poderia
ter qualquer nacionalidade. Escreveu mais de 50 livros e seu estilo era, como o
meu, um pouco desconexo e detalhista. Também compartilhamos a tendência a
neologismos e arcadismos. Viajou por todos os continentes, com exceção da
Oceania, e chegou a visitar até a remota Islândia, em uma época que a Islândia
era mais longínqua que atualmente (como se isso fosse possível). Depois de uma
brilhante carreira militar, aonde chegou à patente de Capitão, ingressou no
corpo diplomático da rainha Vitória, sendo cônsul em diversos países,
inclusive Brasil.
É melhor parar por aqui com essa sinopse que já vai por demais extensa. Todas
as informações sobre Sir Francis serão dadas no decorrer do livro. Como esse
deve ser nosso último contato, aproveito a oportunidade para desejar uma boa
leitura a todos e que esse livro possa servir de inspiração e entretenimento.
Desculpo-me antecipadamente por qualquer falha de informação, anacronismo ou
pecado literário. As informações sobre o personagem principal, eu posso
garantir, são verídicas e podem ser encontradas em sua escassa biografia.
Esclareço apenas que os fatos foram romanceados, restando ao leitor decidir se
bem ou não. Toda pesquisa pertinente ao período foi efetuada e, portanto
acredito, que nenhuma informação histórica relevante será omitida, ou
prestada erroneamente. Com relação ao estilo literário, ou qualquer falha no
mesmo, posso garantir que compartilho da boa fé de Sir R.F. Burton e não tenho
pretensões acadêmicas. Erros na língua pátria serão creditados ao revisor.
Peço ainda a compreensão dos leitores mais exigentes, pois apesar de grande
cultura literária, não disponho de conhecimento prático, pois jamais
abandonei o raio de 50 quilômetros da minha cidade natal, considerando um
grande tormento empreender grandes viagens. Eu tenho consciência de que é essa
limitação territorial, que me impede de galgar novos postos. Deixo para os
grandes exploradores a missão de trilhar o mundo, mas contento-me com meus
livros e sonhos.
Termino esse pequeno prefácio engendrado, que poderíamos chamar de mefácio,
com sinceros votos de boa leitura.
Francisco Viana Seu Criado