CAPÍTULO SÉTIMO
Sabará –
Brasil 2003
Desculpem-me. Sou obrigado a retornar a prosa direta com os leitores. O episodio
lastimável, ocorrido a dois capítulos atrás, fugiu completamente ao meu
controle. Tenho ciência, de que, uma pessoa ao ler um livro, espera o mínimo
possível de tranqüilidade para era-lo. Intromissões são imperdoáveis para o
bom entendimento do enredo. Espero que o fato não tenha atrapalhado a percepção
da trama, e garanto que ele não vai se repetir.
Coitado. Xico é uma alma aflita, sem sonhos e sem esperança. Não que ele seja
má pessoa, mas é uma pessoa perigosa, no sentido de não acreditar em nada.
Nada mesmo. Acredito que ele nem acredite em si mesmo. Não acredita que as
coisas podem acontecer, independentes à nossa vontade. Ele é um
existencialista, que esperava uma revolução que não aconteceu... Mas deixemos
essa sessão de analise de lado, e voltemos ao que interessa.
Realmente, não conheço o mar, mas isso não me desabilita de tentar ser
escritor. Dante não precisou ir ao inferno para escrever sobre ele, pelo menos
assim espero. É verdade que meu universo físico é limitado pelas montanhas,
mas acredito compensar isso com uma amplitude de imaginação.
Mas pensando melhor, acredito que engrandeceria muito meus relatos, se o livro
fosse embasado em pesquisas de campo. Afinal, como disse anteriormente, essa é
uma estória verídica, de um personagem que andou e respirou por essa região.
Burton percorreu um bom trecho da conhecida (pelo menos deveria ser) Estrada
Real, que passa aqui em Sabará e vai até o estado do Rio de Janeiro. Não
tenho recursos para empreender viagens à Meca, Londres, ou qualquer outra
localidade no estrangeiro, mas não me custaria nada, ou quase nada, trazer para
o leitor, imagens e relatos, frescos, da estrada que nosso herói percorreu aqui
no Brasil.
No momento estou de licença do serviço e resta-me alguma reserva financeira. O
problema agora é definir o meio de transporte. Na verdade, minhas opções são
limitadas. Carro não é indicado. A estrada deve ter trechos quase intrafegáveis
por veículos. Além do que, por falta de tempo... meus horários nunca
permitiram... era realmente um transtorno... não me adapto muito bem a
comandos... ou seja, isso não é o fim do mundo... eu não tenho carteira de
motorista, quer dizer, nem ao menos sei dirigir. Pronto! Excluída completamente
a opção carro. Até mesmo porque não teria o caráter romântico de uma
expedição do século XIX.
A opção a pé seria a mais econômica, mas demandaria um tempo por demais
extenso. Acredito que a melhor solução seja a do cavalo, por apresentar as
mesmas características da viagem original de Burton. Basta apenas, agora, que
eu consiga encontrar um espécime a preço módico.
Convenhamos que para quem nunca viajou, empreender uma viagem deste porte requer
algum preparo. Consultando o mapa, vejo que serão aproximadamente setecentos
quilômetros, dependendo da opção escolhida: Caminho Velho ou Novo.
Vamos a alguns fatos: A Estrada Real tinha por principal função atingir as
regiões auríferas e diamantícias (isso é um neologismo, não vou mais indicá-los,
porque senão, vai aparecer muitos parênteses chatos na obra, e o parêntese
quando é por demais explicativo, faz com que o leitor perca o sentido da frase,
fazendo-o retornar ao começo da mesma para poder entende-la.) do estado de
Minas (Viu). Geralmente (digo isso, por que não é uma estrada definida
facilmente) todas as rotas terminavam no Tijuco, atual Diamantina. Existiam duas
rotas básicas e principais, com dezenas de ramificações. Uma partia do Rio de
Janeiro, na época Capital do império, e, portanto, cidade mais importante do
país. A outra ia, ou vinha, depende do ponto de vista, até, ou de, Parati. O
resto eu conto no caminho.
O correto seria organizar uma expedição como nos moldes antigos, contratando
guias, carregadores; comprando suprimentos, montarias, e toda estrutura necessária,
mas como não estamos no século XIX, e não somos patrocinados pela Rainha da
Inglaterra: opção invalida. Poderíamos também reunir os amigos e fazer uma
Cavalgada com nome pomposo: “Cavalgada da Independência”, ou “Tropeiros
da Liberdade”, “Tropa de Sabará pela Estrada Real”, mas o problema é que
realmente, não tenho muitos amigos para reunir. Poderia (volto ao singular, por
falta de amigos) também, solicitar um apoio do Instituto Estrada Real, que
patrocina, e bem, projetos voltados para o desenvolvimento da Rota, mas já
fiquei sabendo que o tramite é difícil e demorado, salvo se a indicação for
boa. A prefeitura poderia ajudar, mas ultimamente não tenho tido boas relações
com o executivo local. Resta apenas a opção: por minha conta e próprio risco.
Risco é uma coisa que não devemos correr desnecessariamente. Não que eu não
tenha coragem, mas é que já não tenho a juventude ao meu lado para enfrentar
desafios. Eu posso ser abordado por bandoleiros pelo caminho, posso passar mal,
posso cair do cavalo, posso ficar doente, posso me perder, enfim, infortúnios
diversos podem me deixar em maus lençóis. Por falar em lençóis, tenho que
pensar também nas acomodações. Um viajante do século XIX, principalmente
estrangeiro, pagava qualquer ninharia para se alojar nos ranchos e pousadas da
Estrada Real. Eu não tenho recursos para me hospedar em pousadas e considero
uma temeridade acampar em local incerto. Hoje em dia, tem muito doido solto por
aí.
Pensando bem, acho melhor acreditar na minha imaginação e nos livros de
pesquisa, terminando o livro com relatos mais, digamos, artificiais. Não, não
estou me acovardando não. Porque não é você que vai se embrenhar no meio do
mato, em trilhas seculares, animais peçonhentos, salteadores, intempéries e
toda espécie de perigo que uma viagem proporciona. Já disse que não tenho
amigos para me apoiar, e melhor contentarmos-nos com o que temos. O livro vai do
jeito que está indo.
A não ser que eu convide uma pessoa, que apesar de problemática, é prática,
e sejamos francos, tem até muita coragem em horas difíceis. Resta saber se ele
aceitaria me acompanhar. Meio ignorante, mas é esperto. Vou levar o Xico.
Alguém sabe me informar se é muito difícil aprender a montar a cavalo?
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